Idosas de uma casa de repouso participam da terapia assistida por cães. Melhoras na sociabilidade, na memória, na autoestima e na coordenação motora são os principais benefícios relatados.
Sentadas em um semicírculo que praticamente enche a sala, as mulheres, todas elas com mais de 60 anos, cantam a plenos pulmões um bom dia muito animado. A cena seria impensável há alguns anos atrás, quando a terapia assistida por cães chegou a elas como proposta na casa de repouso, levada por uma pedagoga e terapeuta . Marcadas, muitas vezes, pelo abandono da família, as idosas não conviviam bem entre si e as brigas eram constantes. Ainda havia aquelas que não queriam participar, e as assistentes da casa tinham de buscá-las. “Hoje, tem até fila de espera e o clima entre elas é outro. As cadelinhas mudaram a relação delas umas com as outras e com elas mesmas. Estão mais tranquilas e amáveis”, narra a terapeuta. “É apenas uma hora, nas segundas-feiras, mas vale para a semana inteira. Elas ficam mais receptivas a todas as outras atividades”, comenta a assistente social da casa de repouso, enumerando que além da cinoterapia (abordagem com cães), as idosas participam de outras oito modalidades de tarefas, em um tratamento multidisciplinar. Mas é de Jully, Clarinha, Aninha e Nikita, a turma de cadelas terapeutas, que a senhoras gostam mais. A assistente social descreve que os benefícios vão além da socialização. Por se tratar de uma atividade lúdica, em que os cachorros são abraçados, alimentados, vestidos, ou fazem companhia, as idosas veem o momento como uma brincadeira. “Isso abre um canal para que a terapeuta trabalhe a questão motora, o equilíbrio, a memória e a auto-estima. E elas fazem sem perceber e não se lembram de reclamar”.
Resultados dona Maria de 87 anos, que, com Alzheimer diagnosticado há muitos anos, tem apresentado bons resultados. “dona Maria participa, canta, recita, desenha, reconhece os cachorros e o horário da atividade”. Pelo exemplo, a terapeuta vai trabalhando com as senhoras questões do dia a dia. Se alguma delas se recusa a comer ou a beber água, ela faz as cadelas comerem e beberam perto delas. Se não querem tomar os remédios, dá medicação de mentira para uma doença de brincadeira para os animais. Se têm vergonha da fralda geriátrica, as cadelas passarão algumas segundas de fralda. “Quando elas tinham, no começo problemas para se cuidar, trabalhei a autoestima no cantinho da beleza. Elas se arrumavam e enfeitavam as cachorras. Hoje, nem precisa mais”, comemora. dona Railda de 67 anos, de unhas pintadas, cabelo penteado e aliança “só pra enfeitar a mão”, que ela não é casada, é exemplo. “A gente fica mais esperta, mais feliz, mais ativa. Ajuda na memória, a ter mais equilíbrio na hora de segurar o cachorro. Mudou muito. Pra mim, é uma hora que a gente passa brincando de boneca”. Para que as cadelas passem, as idosas erguem as pernas e não as descem para não machucar as amigas de quatro patas. Para dar conta da brincadeira da bolinha, elas se abaixam para receber o brinquedo da boca das peludas. Para trabalhar lógica e percepção, elas colocam nas roupinhas das cadelas objetos cujas formas e cores se assemelham com as desenhadas no tecido. Vão exercitando mente e corpo como em uma brincadeira de criança. “Me faz lembrar dos meus vira-latas que eu criava lá no meu Interior, eles eram carinhosos e aqui eu me lembro desse carinho. É muito bom a gente conviver com coisas que têm vida. Pra mim é sempre motivo de alegria, de bem-estar. A gente volta a ser moleca”, explica dona Antônia de 75 anos.
CÃES AJUDAM NA SOCIALIZAÇÃO DE CRIANÇAS AUTISTAS
Se para idosas, os cães podem ajudar na autoestima, para algumas crianças essa interação com animais pode fornecer o aparato necessário para a comunicação com o mundo. Crianças que se encaixam em alguma gradação do Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem apresentar dificuldade de comunicação, de socialização e padrão de comportamento restritivo e repetitivo. Essas características podem vir juntas ou isoladas e de acordo com a neuropsicóloga especialista em TEA, muitas dessas crianças podem apresentar um hiperfoco que, não raramente, se manifesta em relação aos animais. Trabalhando em parceria há cerca de um ano com uma terapeuta, a psicóloga diz ter encontrado na cinoterapia, a terapia assistida por cães, boas respostas. “Já que crianças apresentam este interesse muito focado nos animais, utilizamos o cachorro para trabalhar a socialização dela”, comenta. Ela explica que como o animal reage, devolve o carinho, responde aos estímulos, ao toque e ao olhar, é possível desenvolver no autista a habilidade empática, que é deficitária em sua natureza. Outro benefício trazido pela convivência com o animal é fazer com que o autista aumente, com a mediação do cão, o vínculo com o profissional terapeuta. De acordo com a neuropsicóloga, isso auxilia em todas as outras etapas do tratamento. “Você não conseguiria a atenção da criança de outra forma. E suprindo essa relação dela com o seu hiperfoco, o animal, ela se abre ao aprendizado. Assim, conseguimos ter um manejo melhor da ansiedade; se ela for uma criança vocalizada, ela aumenta a comunicação, motivando as conversas e as relações interpessoais; e, por conta do toque no cão, ajuda na percepção do outro e a ter autocontrole”, enumera. A terapeuta salienta, porém, que a indicação de ter um cão em casa deve ser acompanhada de um treinamento do bicho, uma vez que o cão terapeuta passa por um processo de dessensibilizarão para agir e reagir de forma adequada ao contato com as crianças.
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